quarta-feira, 18 de abril de 2012

Tomás de Aquino: Prova, Física e Astronomia




“É possível, diz ele, dar a razão de uma coisa de dois modos diferentes. A primeira consiste em provar de maneira suficiente um certo princípio. É assim que na Cosmologia [Scientia Naturalis] dá-se uma razão suficiente para provar que o movimento do céu é uniforme. No segundo modo, não se prova de uma maneira suficiente o princípio, mas o princípio sendo postulado no início, mostra-se  que suas consequências concordam com os fatos. Assim, em Astronomia, é proposta a hipótese dos epiciclos e das excêntricas, pois, posta essa hipótese, as aparências sensíveis dos movimentos celestes podem ser salvaguardados. Contudo, isso não é uma razão suficientemente probante, pois elas poderiam ser salvaguardadas por uma outra hipótese.”

TOMÁS DE AQUINO

O trecho acima reproduzido consta no capítulo III da obra La Théorie Physique de Pierre Duhem e é citado entre as opiniões acerca da natureza da pesquisa física. Duhem, como diversas vezes já explicamos aqui, defende a tese segundo a qual a teoria física não é uma tentativa de explicação da natureza última dos fenômenos, mas sim uma descrição matemática do comportamento manifesto das magnitudes físicas, organizada como uma classificação logicamente ordenada na qual as proposições matemáticas mais particulares são deduzidas de um conjunto menor de proposições mais gerais e mais simples.

Por conseguinte, as teorias físicas são independentes de considerações de natureza mais metafísica e, da mesma forma, não engendram afirmações sobre a constituição ontológica dos fenômenos por elas estudados. Em outros termos, as teorias físicas somente "salvam os fenômenos", isto é, constroem hipóteses matemáticas somente adequadas ao comportamento observável das magnitudes.

Para ilustrar seu ponto de vista, Duhem mostra que a concepção de uma teoria matemática dos fenômenos observáveis e a consideração dos limites específicos desse método já se encontrava presente no pensamento das ciências da natureza grega e medieval.

Como Aristóteles havia determinado na Física, o físico trata os objetos da experiência sensível comum, da observação cotidiana, abstraindo a matéria particulas dos exemplares concretos e considera somente a estrutura essencial que se manifesta através desses exemplares. A Física trata, por conseguinte, da natureza última dos entes que estuda e é partir da definição formal dessa natureza (Forma, Eidos) que todas as demonstrações são construídas.

Já o matemático abstrai toda matéria e centra-se somente nas relações matemáticas instanciadas nos seres concretos como se tais relações fossem ou pudessem ser absolutamente separadas das coisas. Em outros termos, o matemático considerada essas relações como subsistentes em si mesmas, embora no real elas não sejam.

Entre a Matemática e a Física, diz o grego, estão as ciências intermediárias que estudam os seres concretos da experiência a partir de suas relações matemáticas sem, contudo, abstraí-las deles, tomando-as como ainda pertencendo a eles. Essas ciências são a harmonia, a ótica e a astronomia.

Tomás de Aquino, no trecho citado, esclarece precisamente quais são os gêneros de provas adequados à ciência física e à astronomia. Compara assim a Física, a ciência teorética da natureza por excelência, com a a Astronomia, ciência intermediária que está entre a própria Física e a Matemática.

Na sua explicação as questões de método estão intimamente ligadas e fundadas em considerações ontológicas. A razão das coisas pode ser dada de dois modos, diz o dominicano. 

No primeiro modo, o princípio é provado de maneira suficiente. Quer dizer, o princípio que explica o fenômeno é provado por uma razão que dá a natureza última da coisa. A Forma, o Eidos, o Logos, a essência da coisa é fornecida. Assim, quaisquer propriedade ou operação da coisa explicada deve ser derivada de sua natureza. Eis o ideal de conhecimento e o modo próprio de prova e demonstração da Física. Nada menos que a razão última da coisa.

Provar é deduzir aquilo a ser provado de princípios que sejam certos, verdadeiros e que determinem a razão última.

O outro modo, bem mais modesto, consiste, ao contrário da Física, não em dar a razão última da coisa estudada, mas postular um princípio, deduzir dele consequências e averiguar se elas concordam com os fatos. Contudo, tal concordância não é logicamente suficiente para provar o que foi postulado como princípio, pois diversos outros princípios podem igualmente dar conta desses fatos.

O exemplo dado por Tomás é a Astronomia. Enquanto uma ciência teorética intermediária entre a Matemática e a Física, sua função é formular descrições matemáticas e confrontá-las com os fatos observados. 

Ela não tem a possibilidade de determinar a natureza última de seus objetos, pois se concentra em somente um de seus aspectos - as relações matemáticas - e trata essas mesmas relações não como entidades abstratas subsistentes, mas como aspectos de objetos concretos da observação comum e cotidiana. Por esse fato, ela não pode ter a apoditicidade da Matemática.

Em outros termos, a Astronomia não estuda relações formais abstraídas de seus conteúdos concretos no real, como a Matemática, e nem considera a natureza última das coisas, que inclui e rege todas as relações - inclusive as matemáticas - como a Física.

Ela só pode propor descrições matemáticas do que é observado e averiguar a adequação das consequências dessas descrições aos fatos observados. O astrônomo pode propor epiciclos ou órbitas excêntricas para tratar das órbitas dos planetas, mas tais hipóteses têm somente a virtude de concordar com o que se observa. Nada impede que outras descrições matemáticas, incompatíveis com aquelas propostas, não possam ser igualmente adequadas aos fenômenos.

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