"Se, então, aquilo que é primeiro é a medida do que pertence ao seu gênero, a locomoção circular uniforme é a principal medida, pois seu número é o mais conhecido."
ARISTÓTELES, Física, Livro IV, 14, 223b
Conforme o que foi dito anteriormente, o agora (o instante) é a ligação do tempo, dado que conecta o passado ao futuro e é um limite, embora isso não seja tão evidente quanto no caso do ponto, que é fixo. Segundo esteja dividindo, o agora é sempre diferente, segundo esteja conectando o passado e o futuro, o agora é fixo, como nas linhas matemáticas. Assim, o agora é, por um lado, potencial enquanto divide o tempo, e, por outro, a sua terminação e a sua unidade.
A depender do ângulo sob o qual é encarado, o agora será diferente pelo fato de que cada momento é distinto do anterior e do posterior, e será o mesmo se for o elo que liga os momentos passados aos momentos futuros e se for tomado como o término de um período temporal qualquer. O ponto, destarte, é sempre diferente enquanto divisor de uma linha, mas o mesmo enquanto o termo da linha.
Outro sentido de agora é o de "fulano virá agora", no qual quer-se dizer que ele virá hoje, e de "fulano veio agora" no qual afirma-se que ele veio hoje. Em ambos, a referência é a um momento próximo do agora tomado como o fim de uma extensão temporal. Diferente do sentido de "em algum tempo", momento indeterminado no passado ou no futuro com referência ao presente. O termo "presentemente" significa algo que está acontecendo. "Repentinamente" refere-se a algum acontecimento que se deu num período de tempo muito curto, quase imperceptível.
Sempre haverá tempo porque sempre há mudança. E será o mesmo tempo ou um diferente se a mudança for a mesma ou diferente. O agora pode ser tanto o fim quanto o início de períodos temporais, mas nunca de um mesmo período simultaneamente. Este agora determinado é o término de um período passado ou o começo de um período futuro. Semelhante à circunferência, que possui em si a concavidade e a convexidade, o tempo está sempre no início e no fim. Eis a razão pela qual o tempo parece sempre diferente.
Aristóteles compara o agora à circunferência porque ambos abrigam aspectos opostos sem contradição. A convexidade não é a concavidade, nem esta é aquela. Só haverá contradição se identificarmos o côncavo ao convexo e vice-versa. O agora que termina um período temporal não é idêntico ao agora que inicia um novo período. Sob essa ótica, o tempo é sempre novo e irrepetível.
As coisas vem a ser e deixam de ser no tempo. Porém, Aristóteles considera que o tempo é mais propriamente a condição da corrupção das coisas, e é acidentalmente a causa de seu vir a ser. A evidência disso está no fato de que tem de haver mudança ou ação para algo vir a ser, enquanto que nenhuma mudança é necessária para algo corromper-se. Nesse caso, o tempo tampouco age, mas é causa acidental da corrupção.
Qualquer coisa deixada à si mesma corrompe-se depois de algum período. Uma casa sem manutenção (limpeza, consertos, proteção, etc.) degrada-se progressivamente até ficar inabitável. A despeito de depredação ou de desastres naturais, a própria casa vai aos poucos perdendo sua ordem e suas características. Para que viesse a existir, um agente teve de construí-la. A corrupção, contudo, acomete a casa mesmo na ausência de medidas deliberadas.
Uma vez que o tempo é definido como o número da mudança, surge naturalmente a pergunta sobre qual seria a realidade do tempo se não houvesse quem o contasse. Afinal, a contagem só existe potencialmente até que uma alma dotada de intelecto (νοῦς) realize essa operação. Não havendo ninguém para contar, restaria somente a mudança, da qual o tempo é um atributo (o numerado com relação ao antes e ao depois).
Aristóteles parece admitir a tese de que o tempo é dependente daquele que o conta. Em outros termos, isso não significaria afirmar que o tempo não existe de forma independente de um intelecto, de modo que no mundo externo nada acontece temporalmente? Aceitar essa interpretação não implicaria numa patente contradição com todo o resto da filosofia realista de Aristóteles exposta até o momento na Física? Se o tempo só existe para nós, não possuindo nenhuma realidade independente de nossas mentes, e se o tempo é a contagem da mudança, então não seria também verdade que, no fundo, toda mudança só existiria na nossa mente?
É preciso recordar que o tempo não se identifica com a mudança. Logo, afirmar a dependência do tempo com relação à mente não é o mesmo que defender que a mudança dependa da mente. Por outro lado, no caso de uma hipótese que concebesse o tempo como uma realidade totalmente desvinculada da mudança, mas dependente da mente humana, então não seria possível admitir qualquer passagem temporal no mundo extra mentis.
A posição de Aristóteles está no meio dessas duas possibilidades. O tempo não é idêntico à mudança e nem é independente dela. A mudança é uma das condições necessárias do tempo. A outra condição necessária é a contagem, que só se realiza em um intelecto. O fato de não haver quem conte um grupo de dez bois não torna aquela quantidade irreal. O grupo é numerável, porém ainda não numerado. O aspecto formal da numeração (o número contado) permanecerá potencial enquanto não existir quem o atualize, conquanto esteja presente o aspecto material (os bois) no qual a contagem pode realizar-se.
Analogamente, a percepção não acontece se não estiverem presentes como condições necessárias o objeto perceptível e o ser percipiente. Se uma coisa é imperceptível, ela não será percebida por nenhum ser capaz de perceber. Se a coisa é perceptível, ela também não será percebida se não houver um ser capaz de percebê-la. Nada disso implica que a percepção seja uma realidade puramente mental (ou subjetiva, em termos modernos), nem que a percepção resida só nas coisas exteriores à mente.
O tempo, enquanto o número numerado da mudança, resulta de uma operação intelectual aplicada a uma realidade externa independente. A mudança será sempre mensurável ainda que não haja qualquer intelecto que a torne mensurada. O tempo é a medida de qualquer mudança contínua, não somente a de um tipo específico, seja ela a geração, a corrupção, a alteração, o crescimento ou a locomoção.
É evidente que há várias mudanças acontecendo em simultâneo (ἅμα). Porém, mudanças em coisas diferentes implicam em medições realizadas em coisas diferentes. Haveria, pois, tempos distintos para cada uma dessas mudanças que acontecem simultaneamente? Existiria, talvez, um outro tempo que unificasse a todos eles? Aristóteles responde negativamente a ambas as questões. Tempos simultâneos e iguais em extensão são um só e mesmo tempo. Dois homens que demoram uma hora para percorrer simultaneamente uma determinada distância compartilham um único e mesmo período temporal.
Já os tempos iguais em extensão, sem serem simultâneos, serão iguais ao menos formalmente, como sete cachorros e sete cavalos são iguais na quantidade, mas não na qualidade. Se um homem percorre determinada distância pela manhã e outro a percorre à noite, e ambos gastam uma hora no percurso, então seus tempos coincidem na quantidade (uma hora), embora não haja um único e mesmo período temporal.
Tipos diferentes de mudança (uma alteração de cor e uma locomoção no espaço, por exemplo) que ocorrem simultaneamente e têm duração igual compartilham um único e mesmo tempo. Também movimentos com velocidades diferentes, mas com duração igual, são um único tempo. Dois barcos que navegam em velocidades diferentes, um mais rápido que o outro, e cujos movimentos têm duração igual, estão no mesmo tempo. Este é idêntico em toda parte porque, apesar de as mudanças serem diferentes e separadas, o número de mudanças iguais e simultâneas é, em toda parte, um e o mesmo.
Cada coisa é medida por algo que pertence ao seu gênero: a unidade pela unidade, o cavalo pelo cavalo, etc. O tempo, por conseguinte, é medido por um tempo determinado. O movimento que tem um tempo regular mede a quantidade tanto do tempo quanto da mudança. Não existe um tempo que corre independente das coisas, fora da medida da mudança que é numerada com referência a um tempo determinado e regular.*
Para entender esse ponto, é preciso lembrar que a medição não é mais do que a divisão de um contínuo pela repetição da medida (metro, μέτρον), qualquer que ele seja. O que fazemos quando medimos é determinar em quantas unidades da medida pode ser dividido um dado contínuo, repetindo-a sucessivamente até alcançar a totalidade da extensão. O tempo, como toda medida, necessita de um padrão estável para que a medição seja realizada.
Ora, diz o filósofo, aquilo que é primeiro é a medida de tudo o que pertence ao seu gênero, e como o movimento circular é o mais perfeito e o mais regular dos movimentos, ele será a medida do tempo de todas as coisas. As mudanças de alteração, de crescimento e de geração não apresentam a regularidade necessária para servirem de medida. A locomoção, todavia, pode ser regular, e dentre as locomoções que existem no mundo a mais regular e constante é o movimento circular, que não tem começo ou fim.
Destarte, observa Aristóteles, não é de se espantar que muitos tenham considerado que o próprio tempo fosse o movimento da esfera celeste porque todas as mudanças são medidas por ele. Vem daí também a impressão comum de que as coisas humanas e naturais (como a geração e a corrupção, por exemplo) são cíclicas, dado que seus começos e seus fins são medidos pelo movimento circular dos céus.
As mudanças deste mundo sublunar são mensuradas pelo movimento celeste, e, em particular (mas não exclusivamente), pelo ciclo regular, ordenado e previsível do Sol. O dia e o ano são medidas (os metros) por meio das quais obtemos o tempo enquanto número numerado do câmbio das coisas.
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*Ao contrário da postulação de Isaac Newton, no Principia, da existência de um tempo absoluto independente das coisas.
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