"Dominar o Fudōshin é tornar-se uno com a tempestade, inabalável em meio à sua fúria."
YAGYU MUNENORI
O sensei japonês Yagyū Munenori (1571-1646), da escola Yagyū Shinkage-ryū, que era também conhecido pelo título Tajima no Kami, tinha como animal de estimação um macaco que imitava tudo muito facilmente. Essa peculiaridade levou o macaco, que assistia às aulas de seu dono, a dominar perfeitamente as técnicas de espada (kenjutsu). Certo dia, um rōnin (samurai errante sem senhor) chega ao dōjō e solicita que suas habilidades sejam testadas numa luta amigável contra o mestre.
O desafio é aceito, mas antes o rōnin deveria enfrentar o macaco. Desapontado, e um tanto ofendido, o desafiante concorda com a condição imposta. Armado de lança, o rōnin enfrenta o macaco que se defende habilmente de seus golpes vigorosos com uma shinai (espada composta por tiras de bambu unidas por tiras de couro). O animal passa ao ataque fazendo o samurai recuar mais e mais, e, sentindo a oportunidade, desfere o golpe final que desarma seu oponente.
Yagyū Munenori diz ao rōnin que sabia desde o início que ele não seria capaz de vencer o símio. Sua vergonha é completa. O guerreiro vai embora, humilhado por um macaco. Ele estuda e pratica diligentemente a arte da espada, e, ao fim de alguns meses, retorna ao dōjō e desafia por uma segunda vez o macaco do sensei Yagyū. Todavia, nessa ocasião, o mestre tem uma atitude diferente. Ele observa o rōnin, percebe que está mudado, e nega o novo desafio.
Após a insistência do desafiante, o mestre aquiesce e o permite lutar com o símio. No momento em que o macaco olha o rosto do rōnin, ele larga sua shinai e foge com medo. "Eu não te disse?", pergunta o sensei ao rōnin. Logo depois, Yagyū Munenori recomenda o guerreiro a um conhecido e respeitado daimyō (um senhor).
O kenshi (espadachim) que vence um embate sem nem mesmo desembainhar a espada é um tema tradicional relacionado à proeza guerreira. Mas também manifesta a relação íntima entre o Budō, o caminho marcial, e o Zen, porque é tradicional nas doutrinas orientais, principalmente no budismo, que o macaco simbolize a mente conturbada, a mente comum dos seres humanos. O macaco pula para um lado e para o outro, ora aqui e ora acolá. É um símbolo da mente irrequieta, aquela que "pula de galho em galho", de pensamento a pensamento, sem disciplina ou direção.
A característica da mente (心) é ser uma oscilação, uma passagem incessante de um pensamento a outro, de uma percepção a outra. No Budō, busca-se a mente imperturbável, que os japoneses chamam de fudōshin (不動心). A mente imóvel é aquela que não acompanha todos os pensamentos que surgem nas diversas situações, mas permanece sempre a mesma, imperturbável. Até que se alcança o mushin (無心), a não-mente, completa cessação dessa passagem de um pensamento a outro, a concentração no completo vazio de śūnya, a essência búdica de todas as coisas.
O rōnin não tem mestre ou senhor, simboliza a mente sem direção. Ele desafia o sensei para um combate, um ato de óbvia arrogância. Porém, o sensei, justamente porque é um mestre, sabe de antemão o que vai acontecer. Observando o semblante do rōnin, ele consegue perceber a sua mente irrequieta, e sabe que ele vai perder o combate. Pedagogicamente, exige que o desafiante lute contra o macaco. Na verdade, o rōnin não está lutando com o símio, mas este é uma representação simbólica da sua própria mente.
O inimigo é sempre interior. Não é o outro. São as ansiedades, as inquietações, o fluxo incessante da mente com o qual nos identificamos. Eis o centro do problema. O macaco não interessa a não ser como uma representação simbólica da própria mente irrequieta do rōnin. Ele não perde para o símio, perde para si mesmo.
Entretanto, dessa humilhação nasce um desejo de aprimoramento. E, à medida em que ele aprimora a sua técnica, que nunca está dissociada de um caminho (道), o rōnin progride espiritualmente, ainda que não no sentido religioso estrito. Então, quando ele retorna, já não é o mesmo. O primeiro sinal de que ele não é o mesmo é o fato de que o mestre recusa o desafio. O sensei percebeu que aquele homem já havia ultrapassado a mente inquieta.
Quando o macaco vai lutar contra o rōnin, ele já encontra um homem transformado, um guerreiro com uma mente imperturbável. O símio olha para o rōnin e, ato contínuo, tem a reação da mente irrequieta. A reação da mente perturbada é seguir os seus impulsos. O impulso natural diante de alguma coisa ameaçadora é o de fugir. O macaco foge. O mestre, quando vê isso acontecer, só diz que ele sabia que isso iria acontecer. O rōnin agora consegue expulsar o macaco que era a sua própria mente, com todas as ansiedades, vontades, apreciações, aversões e apegos.
O macaco, por outro lado, aprendeu tudo o que sabia por imitação. O primeiro estágio do aprendizado marcial é imitar os movimentos do sensei a fim de que, com o tempo, o corpo seja moldado pela forma correta. O mitori geiko, por exemplo, consiste em observar atentamente o treino do sensei e dos senpais sem dele participar. A imitação, contudo, tem seus limites. Pode-se imitar com perfeição o movimento correto sem conhecer ou compreender o seu sentido. O macaco simboliza o conhecimento ainda insipiente que deve ser superado pelo domínio consciente da técnica e da própria mente.
Uma segunda história ilustra a importância da purificação e do domínio da mente. Yamaoka Tesshū (1836-1888) foi um grande mestre da escola Ittō Shōden Mutō-ryū que, além de treinar as artes do Budō, praticava diligentemente o zazen, a meditação Zen budista. Aos vinte e sete anos, enfrentou o lendário Asari Matashichiro, duelo no qual foi desarmado rapidamente. Ele ficou muito triste, abalado e humilhado, mas em vez de abandonar o caminho, aprofundou-se tanto na técnica da espada, quanto no prática do zazen.
Dez anos depois, ele tem um segundo embate com Asari Matashichiro. Todavia, a presença de Asari era tão forte que o dominou completamente. Paralisado, antes que qualquer golpe fosse desferido, Yamaoka Tesshū desiste de prosseguir com o duelo e reconhece que foi derrotado. Essa experiência teve enorme impacto sobre ele, pois a partir dali a imagem do Asari Matashichiro passou a estar o tempo todo na sua mente, lembrando-o de sua mediocridade.
Longe de se resignar com a situação, Yamaoka Tesshū intensifica as práticas da espada e da meditação. Sete anos após o duelo, numa experiência espiritual súbita durante o zazen, ele constata que a imagem de Asari Matashichiro desaparecera de sua mente, deixando de atormentá-lo. Então, pela terceira vez, Yamaoka Tesshū enfrenta Asari Matashichiro. Os mestres observam-se mutuamente em silêncio por um longo tempo, cada um tentando encontrar uma abertura no outro.
De repente, Asari Matashchiro abaixa a sua katana, e diz: "Você conseguiu. Finalmente está na Via". O que isso significa? Trata-se da mesma questão da mente obcecada com seus próprios pensamentos. Na história anterior, o macaco é uma representação simbólica da mente inquieta do próprio rōnin. No caso de Yamaoka Tesshū, a imagem de Asari Matashichiro representa a mente apegada, que não consegue se afastar de um determinado pensamento.
Alguém que fica preso em um determinado aspecto de seu adversário ou do ambiente não consegue reagir com eficácia. A mente de Yamaoka Tesshū estava completamente fixada na imagem do Asari Matashichiro que representava a sua humilhação. Estava presa ao aspecto da falha, ao mundo da dualidade, daquilo que agrada e daquilo que desagrada, da preferência e da rejeição.
No momento em que Yamaoka Tesshū tem a experiência espiritual súbita, satori, durante o zazen, ele se livra daquela imagem obsediante. Ela some completamente, e esse é o momento certo para enfrentar Asari Matashichiro, porque a sua mente já está livre. Asari Matashichiro percebe que Yamaoka Tesshū é um homem mudado, e abaixa a espada, sinal de rendição. Reconhece que seu adversário havia finalmente entrado na Via.
Yamaoka Tesshū tem a mente livre dos apegos relacionados às aversões, aos gostos, aos sentimentos de humilhação e de derrota. Ele pode finalmente enfrentar o verdadeiro Asari Matashichiro e não uma imagem que criada por suas expectativas, mágoas, ansiedades, tristezas e humilhações. Tudo isso mostra como no Budō existe uma confluência entre o aspecto espiritual, na concepção Zen da Via, e o aspecto marcial no seu sentido mais estrito.
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