''Acontece, sem dúvida, que, quando o servo bom e fiel entra na alegria de seu Senhor, ele fica intoxicado com a abundância imensurável da casa Divina. Pois, de uma forma inefável, acontece a ele o mesmo que a um bêbado que esquece de si mesmo e que não é mais ele mesmo. Está totalmente morto para si mesmo e inteiramente perdido em Deus, passou para Ele e se tornou um só espírito com Ele em todos os aspectos, tal como uma pequena gota d'água que é lançada em uma grande quantidade de vinho. (…) Contudo, seu ser permanece, embora em uma forma diferente, em uma glória diferente e em um poder diferente. E tudo isso acontece ao homem através de seu completo abandono de si mesmo. ''
O Professor Robert Charles Zaehner, orientalista e especialista em Religião Comparada, sucessor de S. Radhakrishnan na cadeira de Ética e Religiões Orientais em Oxford assim define a experiência mística em sua obra seminal Mysticism Sacred and Profane:
''Experiências preternaturais nas quais a percepção sensível e o pensamento discursivo são transcendidos em uma apercepção imediata de uma unidade ou união a qual é apreendida como algo que transcende e está para além da multiplicidade do mundo tal como o conhecemos.''
Segundo o Professor Zaehner, existem três modalidades básicas de experiências místicas:
I - A experência pan-en-hênica, isto é, de que tudo é um;
II - A experiência de isolamento do ''eu'', cujos modelos são o Kaivalya (isolamento) do Samkhya-Yoga e a realização da identidade Brahman-Atman nos Upanisads e no Advaita-Vedanta;
III - O retorno do ''eu'' a Deus, isto é, a imersão em Deus em uma união profunda na qual todo o resto desaparece, restando somente ''a face de Deus''.
Zaehner divide essas três modalidades de experiência mística em duas categorias:
a) Mística Natural: corresponde precipuamente à experiência pan-en-hênica;
b) Mística Religiosa: abriga as experiências de isolamento do ''eu'' e de união/retorno a Deus;
Dentro desta última categoria, é possível ainda dividir as experiências em ''mística monista'' e ''mística teísta''. Tratando da mística natural, Zaehner a define como:
''Experiência da Natureza em todas as coisas ou de todas as coisas sendo uma só. Em todos os casos, a pessoa que tem a experiência parece estar convencida de que o que ela experimenta, longe de ser uma ilusão, é ao contrário algo muito mais real do que aquilo que ela experimenta normalmente por meio de seus cinco sentidos ou o que ela pensa com sua mente finita. Isso significa, em sua mais alta expressão, transcender o tempo e o espaço no qual um modo de ser infinito é realmente experimentado.''
Aparentemente, a experiência mística natural pode acontecer subitamente e sem nenhuma preparação prévia de ordem ascética e independentemente de formação ou afiliação religiosa, de indiferentismo religioso, agnosticismo ou ateísmo. Ela pode dar-se também a partir do uso consciente de mescalina e de outros tipos de drogas alucinógenas, como aliás comprovaram pessoalmente Aldous Huxley, William James e o próprio R. C. Zaehner. Em alguns casos, está associada a quadros clínicos de loucura e de mania e é capaz de conduzir à dissolução da personalidade sadia.
O escritor britânico Aldous Huxley, autor do famoso romance Brave New World e do ensaio The Doors of Perception fez uso de mescalina para, segundo ele, expandir sua percepção da realidade. O resultado foi uma típica experiência de mística natural a qual o autor identificou com as experiências dos místicos hindus, budistas e cristãos.
Tal identificação, para Zaehner, resulta em um desafio para a mística religiosa. Se, de fato, Aldous Huxley alcançou por meio de drogas uma legítima experiência mística como aquelas que as religiões tradicionais exibem, então não seria possível furtar-se à conclusão de que os místicos não passariam ou de desequilibrados ou de drogados. De qualquer modo, a experiência mística, considerada até então como um contato unitivo com o princípio último das coisas, seria somente um estado psíquico peculiar que poderia ser produzido quimicamente.
Contudo, segundo Zaehner, há uma diferença radical entre as experiências místicas religiosas e a experiência de Huxley sob a influência de mescalina. No misticismo estritamente religioso, seja ele hindu, cristão ou islâmico, todo o propósito do exercício é concentrar-se na realidade última até a completa exclusão de tudo mais; e ''tudo mais'' significa o mundo fenomênico ou, como os teístas afirmam, tudo o que não é Deus.
Isso significa um total e absoluto afastamento da Natureza, um isolamento da alma dentro dela mesma seja para apreender a si própria como ''Deus'' ou para entrar em comunhão com Deus. O estado místico o qual o homem religioso deseja é o reverso da experiência mística natural: é o corte de todos os liames que ligam alguém ao mundo, a fixação em quietude na própria alma imortal e, finalmente, o oferecimento dessa alma a seu Criador.
Segundo a interpretação de Zaehner, o primeiro estágio é aquele ao qual o monista aspira; o segundo está para além dele e parece ser alcançável somente com a ajuda ativa de Deus, que é percebido como algo diferente da alma imortal. O primeiro tipo pertence à mística de isolamento do ''eu'' e o segundo à mística de união com Deus.
O místico teísta clássico tem como objetivo uma total imersão em Deus. Os seus esforços ascéticos não são jamais suficientes por si mesmos para alcançar tal experiência de união. Em última instância, é sempre Deus que livremente concede Sua graça ao devoto.
Como assevera São Gregório Palamas em suas Tríadas:
''Eis porque todo crente deve separar Deus de todas as Suas criaturas, pois a cessação de toda a atividade intelectual e a união resultante com a luz do alto é uma experiência e um fim deificantes, garantidos somente àqueles que purificaram seus corações e receberam a graça. E o que eu direi dessa união, quando a breve visão é ela mesma manifestada somente aos discípulos escolhidos, apartados pelo êxtase de toda percepção dos sentidos ou do intelecto, admitidos à verdadeira visão porque cessaram de ver e foram dotados com sentidos sobrenaturais por sua submissão ao incognoscível?''
A conclusão de Zaehner no livro é a de que a experiência mística monista - que, segundo ele, caracterizaria o Advaita Vedanta -, aos olhos do teísta, não seria mais do que uma experiência de isolamento, primeiro passo necessário porém não suficiente para uma verdadeira experiência com o princípio último das coisas, Deus. Por outro lado, para o monista advaita, a experiência mística cristã não seria mais do que bhakti, devoção à uma divindade particular cuja natureza está abaixo da experiência da não-dualidade absoluta.
O senhor indica bons debatedores da obra de R. C. Zaehner?
ResponderExcluirObrigado!
Olá.
ResponderExcluirGeoffrey Parrinder.
Abraço.